Pai que matinha criança acorrentada em barril pode pegar até 10 anos de prisão
Escrito por Música FM 89,9 em 05/02/2021
Presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB/Campinas pontua punições que podem ser aplicadas ao auxiliar de serviços gerais que mantinha o filho de 11 anos amarrado e desnutrido – criança recebeu alta e foi levada a serviço de acolhimento.

Foto: Divulgação
Indiciado por tortura e em prisão preventiva, o auxiliar de serviços gerais de 31 anos, pai do menino de 11 anos resgatado em Campinas (SP) com as mãos e pés acorrentados dentro de um barril, debilitado e com sinais de desnutrição, pode pegar até 10 anos de prisão e perder a guarda do filho – a criança recebeu alta hospitalar nesta quarta (3) e foi levada para um serviço de acolhimento na cidade.
O inquérito que investiga o caso tramita em sigilo e, após concluído, será enviado ao Ministério Público (MP), que pode modificar a natureza do crime ao oferecer denúncia à Justiça.
Ao G1, a presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB/Campinas, Jaqueline Gachet de Oliveira, explicou sobre a pena prevista para o crime de tortura, bem como a possibilidade de indiciamento do pai também por maus-tratos, caso seja apurado que a falta de cuidados e privação de alimentação fossem recorrentes.
De acordo com a advogada, o cenário de quando o menino acabou resgatado por policiais militares tem a caracterização de tortura, e não de maus-tratos, principalmente pela intensidade e pela intenção de penalizar.
“Nos casos de maus-tratos, não existe essa ‘intenção’ de disciplina, enquanto na tortura vemos essa ideia de penalizar, disciplinar, vinculado a existência de uma autoridade sobre a vítima. Na prática, a diferença está na intensidade dessas ações”, pontua.
Segundo Jaqueline, o Brasil é signatário de um tratado internacional contra a tortura, cuja convenção define o crime como qualquer ato pelo qual “dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente contra uma pessoa” para, entre outros fins, “castigá-la ou intimidá-la”.
A pena prevista para o crime de tortura no Brasil é de reclusão de 2 a 8 anos, sendo que alguns agravantes podem aumentar o tempo de prisão.
“SE HOUVER A COMPROVAÇÃO DE LESÃO CORPORAL GRAVE OU GRAVÍSSIMA, A PENA PASSA DE 4 A 10 ANOS, COM O AUMENTO DE 1/6 A 1/3 POR SE TRATAR DE CRIANÇA”, DIZ A ADVOGADA.
No caso de um indiciamento apenas por maus-tratos, a legislação prevê pena de detenção [não começa no regime fechado] de dois meses a 1 ano, ou multa [o condenado pode nem ser preso em alguns casos].
“A pena de maus-tratos também pode ter alguns agravantes. Se tem lesão corporal, muda para reclusão de 1 a 4 anos, e aumento de 1/3 nos casos de menores de 14a nos”, explica Jaqueline.
Em uma eventual condenação pelos dois crimes, o juiz do caso deve analisar todos os agravantes e atenuantes e fazer a dosimetria da pena.
Perda da guarda
A presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB/Campinas explica que nem sempre há a chamada perda da guarda numa eventual condenação do pai, mas diversos fatores são analisados pela Vara da Infância e Juventude.
Juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP), Iberê de Castro Dias explica que o acolhimento é uma medida excepcional prevista pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e o atendimento ocorre após determinação judicial. Segundo ele, neste período há um estudo sobre a possibilidade da criança ficar sob a tutela da chamada “família extensa” – como os tios – nos casos em que não há oportunidade de ficar sob cuidados de pais ou responsáveis.
“Não basta somente boa vontade, é preciso verificar se estas pessoas têm condições psicológicas de receber a criança e de permitir que ela tenha o seu desenvolvimento”, falou o magistrado da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP) sem entrar em particularidades do caso de Campinas.
De acordo com ele, o acolhimento deve ocorrer por até 18 meses, mas na maioria dos casos o tempo é inferior. Por outro lado, caso a criança não tenha condições de ficar sob cuidados de outros parentes, nem tenha famílias interessadas em adoção na hipótese de destituição, ela pode ficar até os 18 anos.
O G1 apurou que o garoto chegou ao serviço de acolhimento na tarde desta quarta, mas a instituição manteve sigilo.
Omissão
Além do pai do garoto, a Policia Civil indiciou a namorada dele, de 39 anos, e a filha dela, de 22 anos, por omissão. Segundo a advogada, não é preciso que elas tenham praticado qualquer ato contra o garoto para serem indiciadas, mas todas as circunstâncias do caso ainda serão esclarecidas.
A pena para omissão em face de condutas de tortura é de detenção de 1 a 4 anos.
O que diz o Conselho?
O conselheiro tutelar Moisés Sesion, que atua na região Sul – área onde ocorreu o caso do menino torturado – afirmou que cada região está se organizando “da forma como pode”, haja vista o prazo imposto pela promotoria. Ele afirmou que ainda não há perspectiva sobre casos desatualizados.
“A gente realmente precisa fazer o levantamento. Toda Campinas é uma demanda enorme”, falou à reportagem. O G1 espera posicionamento da área administrativa do Conselho sobre a requisição.
Investigações
O boletim de ocorrência foi registrado como tortura na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), no Jardim Londres, e o inquérito está em andamento. O pai do menino é suspeito de ter praticado as ações, enquanto a namorada e a filha dela devem ser responsabilizadas por omissão, diz a polícia.
Na terça, o prefeito, Dário anunciou abertura de apuração sobre eventuais falhas e omissões dos serviços públicos municipais e de entidade conveniada. Além disso, segundo o governo, o objetivo é buscar melhorias e adequações no fluxo de atendimentos a situações como esta.
De acordo com o MP, o promotor criminal que vai ficar à frente da investigação só será definido depois que o caso for relatado pela Polícia Civil. A previsão para que isso ocorra não foi divulgada.
O Conselho Tutelar diz que desconhecia a violência sofrida pela criança. Segundo o órgão, a família era acompanhada há pelo menos um ano e monitorada quanto a vulnerabilidade social.
Alimentação com casca de fruta
Policiais que encontraram a vítima informaram que ela era alimentada com cascas de fruta. O menino estava nu, dentro de um tambor de metal fechado com uma telha e uma pia de mármore para evitar que ele saísse. O vídeo do momento em que ele é encontrado mostra que a criança mal conseguia se mexer quando foi encontrada. Ele tinha a cintura, pés e mãos acorrentados.
O menino estava há quase cinco dias sem comer, segundo a polícia. “Colocavam pra ele casca de banana, fubá cru”, relata o cabo Rodrigo Carlos da Silva.
A Polícia Civil acredita que ele estava acorrentado dentro do barril há um mês. “Desde o começo de janeiro já estava sendo preso no tambor. Ele teria que ficar em pé nessa amarração, que era feita com os braços presos em cima do tambor”, relatou o delegado Daniel Vida da Silva.
Ainda segundo a Polícia Civil, o pai disse em depoimento que o filho é muito agitado, agressivo e fugia de casa. Ele alegou que fez isso para educar o menino.
Fonte G1